Sobre jovens, reis e demônios.

Josué Dias
4 min readApr 26, 2018

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Ouvindo o álbum novo do J Cole, o KOD, eu tive uma epifania sobre os significados da sigla e a história contada no próprio álbum. A gente bem sabe como o J Cole é um excelente contador de histórias e seus últimos álbuns são ótimos exemplos disso e o KOD não foge à regra com as drogas sendo o assunto principal do álbum.

Quando o J Cole anunciou o álbum, uma das primeiras informações foi sobre o que significava a sigla KOD. A sigla tem três significados: Kids On Drugs, King Overdosed e Kill Our Demons. E esses são os nomes dos capítulos dessa história contada pelo Jermaine.

Kids On Drugs

Essa primeira parte do álbum é uma ilustração da parte divertida do uso das drogas: a viagem, o bem estar, a festa, a animação e a energia. Pra trazer as pessoas mais ainda ao ambiente dessa história, J Cole faz os famigerados traps (ritmo derivado do rap onde não existe uma obrigatoriedade de um posicionamento político como um dos fundamentos do ritmo). Importante lembrar que KIDS não é necessariamente uma palavra pra designar crianças, mas também jovens. É também o começo da aventura no mundo do trap, das drogas, da fama e tudo mais.

A música que dá nome ao título, KOD, é o J Cole te introduzindo ao mundo das drogas, te apresentando a todas elas, inclusive a mais forte de todas: o amor. Enquanto que Photograph é uma música sobre o efeito do amor, e The Cut-Off é sobre escolher direito quem é que vai estar sempre do seu lado: se são as pessoas que querem o seu bem ou aqueles que querem te ver na ruína, alimentando seu vício ou te desviando do caminho.

King Overdosed

Nessa segunda parte, a trama gira entre o topo e a queda. ATM e Motiv8 são músicas sobre a construção do caminho e a chegada ao topo. Falam de ganhar dinheiro, gastar dinheiro, procurar mais motivações pra ganhar mais dinheiro e gastar ainda mais dinheiro. Kevin’s Heart é você ter o amor de sua vida contigo no ponto alto da sua carreira e ser o tempo todo arrodeado pela tentação de possuir mais coisas, que você pode e não pode ter ao mesmo tempo.

Brackets é o ponto alto da trama toda. Essa música representa ao mesmo tempo a chegada no topo, a recompensa de tudo que você já trabalhou em sua vida e a queda ao mesmo tempo. A história se torna real a partir do momento que percebemos que quando o personagem chega nesse ponto ele vê que o seu “poder” não é mais nada e ele se descobre mais uma peça num jogo comandados por outros. E aí marca o começo do fim, onde o topo se torna tóxico e a conta dessa vida sem limites chega pra ele.

Kill Our Demons

A parte final do álbum é a vida dando um tapa na nossa cara. Essa também é a minha parte favorita do álbum porque vemos mais uma vez o J Cole de sempre com sua caneta afiadíssima falando sobre assuntos importantes e necessários.

Nessa parte do álbum, J Cole se torna um dos personagens dessa história onde ele aparece pra dar a visão ao nosso personagem que se meteu no meio desse mundo todo. Once An Addict é o Jermaine falando dos bocados que ele passou por causa do abuso de álcool de sua mãe, do quanto ele queria fugir e não conseguia e o quanto era ruim pra ele ver seu maior referencial na vida entregue aos males das drogas.

FRIENDS é uma imersão no estrago que as drogas fazem nas comunidades pobres, onde existem as pessoas mais vulneráveis da sociedade vitimas de violência policial, de descaso das autoridades e principalmente da guerra às drogas. Window Pain é um momento de reflexão do herói da nossa história depois de ter enfrentado seus demônios e agora olha pra própria vida contando suas bençãos.

Eu acredito que 1985 seja uma música que resume todo o rolê que foi passado pelo personagem, mas em forma de uma “diss” que em vez do J Cole acabar com a carreira de alguém, ele aproveita pra dar uma lição sobre como a vida não é essa festa toda que alguns ainda estão presos. Ele fala sobre como o sistema só quer sugar de rappers/trappers negros enquanto forem interessantes pra depois jogá-los no esquecimento, já que era só pro entretenimento que eles prestavam. Enquanto havia festa estavam todos lá, na hora de limpar a bagunça você está sempre sozinho.

Conclusão

O KOD é um aviso. Uma mensagem pra pegarmos a visão sobre a glamourização das drogas no meio do rolê do hip hop. Ainda mais num momento onde nunca se falou tanto de saúde mental, de sentimentos e da desconstrução da masculinidade tóxica dentro do rap. É muito doloroso numa comunidade você ver uma pessoa jovem com potencial e talento ser perdida para doenças mentais que agravam com abusos de drogas e resultam na morte de agentes transformadores.

Eu acredito que o KOD é um álbum muito fiel ao que o J Cole sempre fez em toda carreira, que é buscar passar uma mensagem de construção de uma comunidade, de cuidado de uns aos outros, de buscarmos referenciais positivos. É uma missão que ele se impôs de ser esse referencial positivo e ele faz isso muito bem com seus trabalhos em busca de sempre ser algo que valha a pena.

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Josué Dias

Não é pra levar nada que tá escrito aqui a sério, mas se quiser pode.